Cursos “DROGAS”:
PERSPECTIVAS EM CIÊNCIAS HUMANAS II (2006)
ORGANIZAÇÃO:
Prof. Dr. Júlio Assis Simões (FFLCH /USP) PROGRAMA: A primeira aula buscará resumir o conteúdo global do curso e introduzir de forma panorâmica a multiplicidade de significados culturais dos consumos de psicoativos, apresentando ao aluno as formas de abordagem da questão pelas ciências humanas. Aula 2 (10/10/2006)
- Drogas psicoativas na História O tema das drogas ou substâncias psicoativas reveste-se de inúmeras facetas, desde as conquistas científicas que permitem a descoberta e invenção cada vez de um maior número de psicofármacos sintéticos ou originários de usos tradicionais em comunidades indígenas, até as formas hipertrofiadas de uso compulsivo de substâncias aditivas, como o tabaco, o álcool e os opiáceos, entre outras, que se constituem, tanto nas formas legalizadas como nas ilegais, como alguns dos maiores mercados das épocas moderna e contemporânea. A importância das substâncias psicoativas para a psicologia é inestimável, os psicofármacos não apenas cumprem o papel de remédios excepcionais como fornecem elementos para a compreensão dos processos psíquicos. O uso religioso caracteriza as práticas de êxtase de inúmeros povos. O consumo massivo marca a era mercantil moderna da unificação planetária com a expansão do álcool destilado assim como do tabaco, das bebidas excitantes e de outras substâncias. Para se compreender o estatuto econômico, político, cultural e científico das drogas torna-se indispensável um olhar histórico que desvende os nexos e os interesses que buscam regulamentar socialmente o consumo destas substâncias que assumem importantes papéis culturais como veículo de devoção, de cura, de identidades étnicas, de gênero e nacionais, entre outras.
CARNEIRO, Henrique Soares. “As necessidades humanas e o proibicionismo das drogas no século XX”, in: Outubro, nº 6, São Paulo, 2002, pp. 115-128. Bibliografia complementar CARNEIRO, Henrique Soares Filtros, Mézinhas e Triacas: as drogas no mundo moderno, São Paulo, Xamã, 1994. SZASZ, Thomas, La
persécution rituelle des drogués, boucs émissaires
de notre temps. Le contrôle d’État de la pharmacopée,
França, Editions du Lézard, 1994 (Cerimonial Chemistry,
1974).
MARRAS, Stelio. “Do natural ao social: as substâncias em meio estável”, in: Labate, Beatriz C.; Fiore, Maurício e Goulart, Sandra L. (orgs). Drogas: perspectivas em ciências humanas. Campinas, Editora Mercado de Letras, no prelo.. VIVEIROS DE CASTRO, E. “Entrevista com o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro”, in: MARRAS, S.; NASCIMENTO, S.; SZTUTMAN, R. Revista Sexta Feira, volume 4 [corpo]. São Paulo, Hedra, 1999, pp. 112-129. Republicada em: Viveiros de Castro, E. A inconstância da alma selvagem – e outros ensaios de antropologia. São Paulo, Cosac e Naif, 2002. Aula 4 (24/10/2006)
- Narcotráfico e a história da proibição das
drogas O atual regime legal de proibição das drogas é de construção recente, passando a se universalizar a partir do início do século XX. A partir de então, a proibição de um número crescente de drogas psicoativas passou a refletir um importante e intrincado jogo de relações de poder e práticas sociais que acabaram por articular um poderoso mercado ilícito conhecido como narcotráfico. Essa aula pretende apresentar os principais aspectos da proibição às drogas e seus desdobramentos em narcotráfico e em guerra internacional a produtores e consumidores de psicoativos ilegais.
Bibliografia
básica: RODRIGUES, Thiago. Narcotráfico: uma guerra na guerra. São Paulo, Desatino, 2003, pp. 25-70. __________. Política e drogas nas Américas. São Paulo, Educ/FAPESP, 2004, pp. 93- 167 e pp. 307-322. Bibliografia
complementar: NAÍM, Moisés. Ilícito: o ataque da pirataria, da lavagem de dinheiro e do tráfico de drogas à economia global. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2006, pp. 65-82. Aula 5
(31/10/2006) – O uso de “drogas” enquanto problema social:
uma análise das controvérsias médicas
VARGAS, E. V. “Os corpos intensivos: sobre o estatuto social das drogas legais e ilegais”, in: DUARTE, L. F. D. e LEAL, O. F. (orgs). Doença, sofrimento, perturbação: perspectivas etnográficas. Rio de Janeiro, Ed. Fiocruz, 2001, pp. 121-137. Complementar: VELHO, G. Nobres e anjos: um estudo sobre tóxicos e hierarquia. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1998. Aula 6
(07/11/2006) - – Xamanismo, ritual e consumo de substâncias
psicoativas na Amazônia indígena O objetivo dessa aula é refletir sobre o consumo de substâncias psicoativas, como as bebidas fermentadas, o tabaco, a ayahuasca, o pariká, entre outros, em contextos rituais indígenas, bem como avançar no estudo comparado das diversas formas de “xamanismo”, aqui entendido como um modo de conhecer e agir sobre o mundo. Pretendo me ater menos nos efeitos psicofísicos dessas substâncias que nas reflexões indígenas sobre esses efeitos e suas implicações.
SZTUTMAN, Renato. Cauim, substância e efeito: sobre o consumo de bebidas fermentadas entre os ameríndios, in: Labate, Beatriz C.; Fiore, Maurício e Goulart, Sandra L. (orgs). Drogas: perspectivas em ciências humanas. Campinas, Editora Mercado de Letras, no prelo. Bibliografia
complementar: LIMA, Tânia Stolze. Um peixe olhou para mim: o povo Yudjá e a perspectiva. São Paulo, Ed. Unesp/ISA/NUTI. 2005. Caps. 5, 6 e 7. pp. 219-343. REICHEL-DOLMATOFF. The shaman and the jaguar: a study of narcotic drugs among the indians of Colombia. Philadelphia, Temple University Press.
Aula 7 (14/11/2006)
- O caso das religiões ayahuasqueiras do Brasil A aula abordará o caso das chamadas religiões da ayahuasca, surgidas no Brasil, na região amazônica, a partir da década de 1930, e que se caracterizam pelo uso de uma mesma bebida psicoativa, conhecida pelos nomes de daime, vegetal, ayahuasca, entre outras designações. Serão tratados os casos específicos dos cultos do Santo Daime, União do Vegetal e Barquinha. A proposta será relacionar esse objeto de estudo a debates e questões mais amplas, de relevo sócio-antropológico, como: a relação de tradições locais, amazônicas, com processos de globalização cultural; o debate sobre as drogas na sociedade contemporânea e temas relativos a conflitos religiosos.
GOULART, Sandra Lucia. “Introdução” e “Alguns eventos elucidativos: acusação e conflito” in: Contrastes e Continuidades em uma Tradição Amazônica. Tese de Doutorado em Ciências Sociais, IFCH-Unicamp, 2004, pp. 8-26 e pp. 279-287. Bibliografia
complementar: VELHO, Gilberto.
“Duas categorias de acusação na cultura brasileira
contemporânea”, in: VELHO, Gilberto. Individualismo e
cultura: notas para uma Antropologia da sociedade contemporânea.
Rio de Janeiro, Zahar, 1987, 2a.ed. Aula 8 (21/11/2006) – Mesa Redonda (aberta para o público): “Alternativas para a Política de Drogas” Durante o curso serão discutidas diferentes propostas para a política de “drogas” no mundo contemporâneo, mobilizando, para isso, o arcabouço teórico levantado durante as discussões. Haverá um debate especial, aberto para o público, para pensar alternativas à proibição. A mesa redonda será composta por: Mediadora:
Bia Labate - NEIP/Alto
das Estrelas
Primeira
Parte: Transformações contemporâneas do uso de psicoativos Nesta aula faremos uma reflexão sobre as transformações do uso da ayahuasca e do kambô (Phyllomedusa bicolor) nos contextos ‘tradicionais’ e ‘contemporâneos’. O kambô, tradicionalmente usado como revigorante e estimulante para caça por grupos indígenas do sudoeste amazônico (entre eles, Katukina, Yawanawá e Kaxinawá), tem despertado nos centros urbanos um duplo interesse: como um "remédio da ciência" – no qual se exaltam suas propriedades bioquímicas – e como um "remédio da alma" – onde o que mais se valoriza é sua "origem indígena". Analisaremos o discurso que os novos aplicadores urbanos e seus parceiros têm elaborado sobre o uso da secreção, compreendida por alguns como uma espécie de ‘planta de poder’, análoga ao peiote e a ayahuasca. Por outro lado, tentaremos estabelecer alguns paralelos com o caso da ayahuasca, bebida psicoativa utilizada nos complexos xamanísticos de diversos povos indígenas da Amazônia, que foi reapropriada em contextos urbanos de orientação cristã, como é o caso das religiões ayahuasqueiras brasileiras. Nos últimos, parece haver a construção e valorização do consumo de um ‘sacramento’ em detrimento da ‘purga’ ou ‘medicamento’ indígena ou mestizo.
LEITE DA LUZ, Pedro. “O uso ameríndio do caapi”, in: Labate, Beatriz e Sena Araújo, Wladimyr (orgs.). O uso ritual da ayahuasca, Campinas, Mercado de Letras, 2004, pp. 37-68. Bibliografia
complementar: MAGNANI, José Guilherme. "O xamanismo urbano e a religiosidade contemporânea", in: Religião e Sociedade, vol. 20, n 2, 1999, pp. 113-140. Segunda
Parte: Sobre o ECSTASY: histórico, controvérsias,
e projeto Baladaboa. Há milênios o homem utiliza substâncias psicoativas naturais com fins medicinais, espirituais e/ou recreativos. Mas, é relativamente há pouco tempo que se opera uma mudança determinante na farmacopéia humana, a síntese de substâncias que prescinde de princípios ativos naturais. Proporcionado pelo desenvolvimento da farmacologia e da engenharia química tal avanço ampliou a disponibilidade de fármacos. O ecstasy, entre outras substâncias, pertence a um subconjunto dessas drogas produzidas em laboratório, aquelas que, além de sintéticas, são psicoativas, consumidas com fins recreativos e ilegalmente comercializadas. Particularmente no que se refere ao ecstasy, ainda pairam inúmeras controvérsias em relação às conseqüências advindas do uso, a suas possibilidades terapêuticas, e às formas mais adequadas de intervenção preventiva. Tais controvérsias têm raízes não só em dificuldades metodológicas de pesquisa sobre o uso da droga, mas também, em alguns casos, em posições políticas e ideológicas. Assim, nesta apresentação será traçado o histórico do uso de ecstasy e de sua proscrição legal, descritas as lacunas no campo da neurociência e circunstanciado seu uso atual no Brasil. Por fim, será exposto o projeto “Baladaboa”, uma intervenção de redução de danos do uso de ecstasy.
Bibliografia
básica Bibliografia
complementar Almeida, S. P. (2005). Sobre o uso de ecstasy: uma pesquisa com vistas à formulação de intervenção preventiva. (tese) Instituto de psicologia. São Paulo, USP. (Introdução e Discussão). Disponível em: http://www.teses.usp.br/ Almeida, S. P.; Silva, M. T. (2005). Sintéticas, recreativas e ilegais: drogas de uma geração química. In: Dartiu Xavier da Silveira; Fernanda Gonçalves Moreira. (Org.). Panorama Atual de Drogas e Dependências. 1 ed. São Paulo, v. 1. Almeida, S. P.; Silva, M. T. (2003). Characteristics of ecstasy users in Sao Paulo, Brazil. Subst Use Misuse, 40 (3): 395-404. Saunders, N. (1996).
Ecstasy e a cultura dance. São Paulo, Publisher Bras. Aula 10
(05/12/2006) – Da Diamba à Cannabis: reflexões sobre
as relações entre as ciências e os usos da maconha
no século XX A aula está dividida em três partes, que procuram conduzir a algumas reflexões sobre de que forma o saber científico produzido a respeito da planta Cannabis e seus consumidores se relacionaram com diferentes contextos sociais nos quais estes foram usados para legitimar ou contestar decisões políticas sobre o assunto: Na primeira sessão, será discutido o papel dos cientistas brasileiros no início do séc. XX no processo de criminalização da Cannabis, e da associação entre as suas propriedades psicoativas e às da papoula e seus derivados. Aqui será dada ênfase às discussões a respeito dos métodos utilizados e dos discursos produzidos por esses cientistas, bem como de suas atuações nos campos de decisões políticas. Na segunda sessão, discutiremos os artigos de Howard Becker "Becoming a Marihuana User" e "Marihuana Use and Social Control”, o Relatório La Guardia e outros relatórios oficiais, e o fato desses terem sidos ignorados ao longo de toda a empreitada do “War on Drugs” no século XX. Nessa sessão, será feita uma reflexão a respeito da emergência do paradigma sócio-cultural para compreensão dos usos de psicoativos a partir dos trabalhos de Becker. Na terceira sessão, discutiremos algumas das implicações das políticas proibicionistas nos EUA e no Brasil, e de suas contradições com o saber científico atual sobre a planta Cannabis e seus derivados e sobre seus consumidores. Nessa parte, procuraremos discutir os estudos sobre as propriedades farmacológicas da planta e sobre os possíveis danos associados aos seus usos. Procuraremos enfatizar a relação entre os danos à saúde dos consumidores e os provocados pelo status ilícito da substância, bem como fazer algumas comparações entre ela e outras substâncias psicoativas. A aula será concluída com uma discussão a respeito da emergência da cultura do auto-cultivo enquanto redução de danos, procurando esclarecer alguns pontos específicos em torno do status atual do consumidor em relação à Lei nº 11.343 – Lei de Substâncias Psicoativas.
MACRAE, E. “Redução de Danos para o Uso de Cannabis”, in: Silveira, Dartiu X e Moreira, Fernanda G (orgs.). Panorama Atual de Drogas e Dependência. São Paulo, Editora Atheneu, 2006. pp. 361-370. MACRAE, E., Edward
e SIMÕES, Julio. “A subcultura da maconha: seus valores
e rituais entre setores socialmente integrados”, in: Baptista,
Marcos; Cruz, Marcelo e Matias, Regina. (orgs.). Drogas e pós-modernidade.
Rio de Janeiro, Editora da UERJ, 2003, pp. 95-108. CARLINI, E. “A história da maconha no Brasil”, in: Carlini et. al. Cannabis Sativa L. e Substâncias Canabinóides em Medicina. São Paulo, CEBRID/UNIFESP, 2004, pp. 4-13. ESCOHOTADO, Antonio. La cuestión del cáñamo – una propuesta constructiva sobrehachís e marihuana. Barcelona, Editora Anagrama, 1997, pp. 13-40. SLOMAN, Larry. Reefer
Madness – Marijuana in America. Nova Iorque, Grove Press, 1979,
pp. 27-83. >>início
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